O adolescente e o encontro com as drogas

 


Os adolescentes geralmente iniciam o consumo com drogas mais leves, características da fase de experimentação.. A maconha, geralmente, é a mais citada como droga de iniciação, apesar da cola ser a mais comum entre os adolescentes em situação de rua. Em muitos casos aparece uma escalada gradual para drogas mais duras.

A utilização das drogas pelos jovens tem uma característica: o poliuso, isto é, usam várias drogas, concomitantemente ou em momentos diferentes, numa escalada para drogas cada vez mais duras. Esse poliuso parece depender de alguns motivos: da droga que o grupo de pares está usando, do efeito desejado ou procurado, para obter um equilíbrio entre os efeitos ou ainda na busca de sempre obter novas sensações.

As toxicomanias atuais se distinguem das toxicomanias clássicas, onde os sujeitos iniciavam o uso mais tardiamente, usavam somente uma substância psicoativa e no geral, eram integrados socialmente. As toxicomanias de hoje, tem a característica de se referirem mais aos jovens, que iniciam o uso mais precocemente, usam várias drogas de forma sucessiva ou simultânea .

A iniciação ao uso de drogas ocorre na grande maioria das vezes pela influência do grupo de pares, seja num de intimidade familiar (irmãos, primos), seja num contexto de sociabilidade externa à família (amigos, conhecidos).

Os grupos de pares parecem ser muito importantes na vida do adolescente e é uma necessidade que se aprofunda na adolescência. Para o adolescente a opinião e a valoração dos companheiros tem mais importância que a dos pais e professores.

Cabe perguntar aqui: o por que dessa importância do grupo de pares?

Talvez o grupo com suas regras e hierarquias e com um valor de iniciação e possibilidade de independência, traz pontos de referência e uma vertente socializante para o adolescente.

Na adolescência, o jovem procura no exterior da família respostas às suas necessidades de afirmação, de afiliação, de diferenciação, de autonomização e de identificação e é através de condutas interativas que os jovens exprimem essa necessidade de se inscrever em situações e fazer seu lugar. Assim os grupos de pares se constituem em lugares e formas de pertencimento e de referência para os adolescentes.

Sem dúvida, o grupo de pares é também importante por proporcionar um lugar e espaço de aprendizagem, crescimento, conhecimento de si mesmo e dos outros, que auxilia nesta busca de identidade. Nos grupos, o jovem aprendem a entrar em relação com pessoas exteriores à família, a tomar o caminho da independência, procurar sua identidade, colocar em prova o que sabe, a compreensão de si mesmo e dos outros, a intimidade, a partilha.

Assim, neste contexto de busca de identidade, de pertencimento, de aprovação e intimidade, surgem os grupos de pares, que auxiliam o jovem em seu desenvolvimento e supre várias de suas necessidades, mas também é através dos grupos de pares que o adolescente pode ser levado a iniciação do uso de drogas.

Os grupos de pares podem empurrar o jovem a experimentar e a sentir as mesmas sensações. Isso indica a importância das pressões sociais como fator de indução ao consumo de drogas. Fazendo algo juntos, como a transgressão compartilhada do uso de drogas, ocorre a facilitação da entrada e propicia a pertinência, possibilidade de se igualar aos pares e adquirir uma identidade grupal. Assim, o uso de drogas pode estar propiciando uma melhor interação com os pares, onde compartilhar juntos este comportamento transgressivo, leva a uma cumplicidade e a um sentimento de maior intimidade com os outros.

Pode-se inferir também que pertencer a um grupo de pares seja uma tentativa de rompimento com a infância e com a dependência infantil com os pais. Assim, a entrada no grupo de pares, facilitada pelo uso de drogas, pode ser considerada uma busca de individuação, de independência, e de afirmação de si, isto é, de sua identidade.

O uso de drogas pode ser encarado como desafio e provocação aos adultos e como uma forma de ruptura com a imagem da infância. Com o uso de drogas o jovem espera que uma melhor interação se estabeleça entre ele e os pares, e ele espera também compreender melhor quem e o que ele é no fundo de si mesmo e como ele aparece aos outros.

Há também entre jovens o entendimento de que iniciam o uso de drogas por curiosidade, por quererem experimentar as sensações que a droga proporciona. A curiosidade por sensações novas e proibidas, a extrapolação de limites pode ser considerada uma atitude típica dos adolescentes. Nesta experimentação por sensações diferentes e por novos limites, o adolescente pode estar também procurando um melhor conhecimento de si e de suas capacidades.

O adolescente tem necessidade de ultrapassar a si mesmo para alcançar o conhecimento de si ou aquilo que gostaria de ser. Aqui, vislumbra-se o valor do uso de drogas fazendo parte de estratégias comportamentais de exploração de vida.

No entanto, mesmo o uso atual da droga podendo ser associado a um ritual de passagem e a um ritual de melhor conhecimento de si, sobressai o caráter consumista, alienador e destrutivo da droga entre esses jovens que se tornaram dependentes. O consumo atual da droga em nada se assemelha ao caráter sagrado que recebeu em outros momentos históricos.

Havia algo de transcendente e de sagrado do uso de drogas, os homens a usavam com finalidades medicinais, religiosas ou simplesmente prazeirosas. O uso era sempre codificado por ritos (religiosos, medicinais ou sociais), ou seja, uma utilização restrita a uma cosmovisão mágica e religiosa da vida.

A ‘droga’ não é só um ‘tóxico’ capaz de prejudicar a saúde dos indivíduos. É também, e sobretudo, um produto cultural cujo uso aproxima os jovens de certas práticas valorativas, permitindo modificar a sensibilidade e a imaginação, a fim de produzir mudanças na percepção que temos de si, dos outros e do entorno.

Outro aspecto importante a ser comentado é que a droga como algo proibido, diabolizada ou exaltada, serve como objeto de satisfação dessa curiosidade, experimentação, extrapolação e busca de novos limites e sensações, que os adolescentes expressam. No entanto a difusão exagerada de imagens negativas pode aumentar a fascinação pelas drogas.

A proibição pela sociedade de um certo número de substâncias, tem por efeito suscitar os jovens a experimentar ou a se impor o consumo: fumar um baseado torna-se sinal de desafio aos adultos, transgressão da lei, tomada de risco e também demanda de reconhecimento pelo grupo de pares.


Dra. Silvana Baumkarten - Psicólogia UPF (RS)
Diretora do projeto "Antes das Drogas...Conhecimento, Carinho e Companhia"
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