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Há
muitos anos trabalhei em uma empresa automobilística, no ABC paulista,
supervisionando a equipe responsável pela qualidade de um dos modelos
ali produzidos. Percorria os vários setores, para conhecer de perto o
que fazia cada inspetor de qualidade, quando vi um operário examinando
uma chapa que tinha um pequeno furo redondo. Cheguei
perto dele e perguntei-lhe qual era seu trabalho:
Controlo
esse buraco, disse ele. Perguntei
para quê aquele controle, e ele respondeu: Não pode ter nenhuma
rebarba no corte. E
para que serve?, completei a pergunta. Ele disse que não sabia, e saí dali imaginando a frustração
daquele profissional quando, em casa, seu filho perguntasse: O que o
senhor faz lá, papai?. Controlo um buraco. Era só o que ele teria a
dizer.
No
dia seguinte convidei aquele operário para visitar a montagem final,
que ficava em outra parte da fábrica, a mais de mil metros dali. Achei
que assim ele poderia ver o motivo daquele buraco. Ele então ficou
sabendo que por aquele orifício passava a fiação do farol e que, se
houvesse alguma rebarba na chapa, isso provocaria focos de ferrugem que
poderiam interferir, a médio prazo, no funcionamento da luz do veículo.
A
expressão dele ficou diferente a partir daquele dia. Aquele homem não
controlava um simples buraco: seu trabalho era importante para a
segurança do automóvel, pois zelava pelo bom estado dos faróis.
Assim
acontece com muita gente, que trabalha anos a fio sem saber a real
importância do trabalho. À medida que evoluem os processos tecnológicos,
torna-se ainda mais importante a atenção das empresas para situações
simples como esta. É necessário criar mecanismos para que as pessoas
possam sentir como é importante o trabalho que cada um desempenha,
desde as tarefas rudimentares até as mais complexas.
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Isso não se resolve com palavras bonitas nos house-organs
nem com medidas paternalistas, e não é uma questão de ser "bonzinho"
com os empregados. Trata-se simplesmente de reconhecer a importância do
capital humano para a organização. Esse reconhecimento é conseqüência
de uma mudança histórica:
a
força dos músculos vai sendo progressivamente substituída pela
inteligência, no processo de criação de riqueza.
E
mesmo nos trabalhos braçais ocorre a valorização da mente, da
criatividade e do know-how,
já que a tecnologia absorve as tarefas mais pesadas ou repetitivas mas
o cuidado humano continua imprescindível. A manufatura dá lugar à "mentefatura".
Talentos humanos não se desenvolvem apenas com doses maciças de
conhecimento técnico. Isso criaria profissionais robotizados, num
momento em que o entusiasmo é tão necessário como fator de
competitividade. Somente se supera um grande desafio com muito
entusiasmo. Somente é possível encantar o cliente quando há
entusiasmo.
Ter
entusiasmo por uma atividade profissional pressupõe também estar
entusiasmado para aprender, aprimorar-se continuamente, manter-se
altamente qualificado, desenvolver ao máximo o próprio talento e o
talento dos que o cercam.
Hoje
sou consultor e conferencista, faço duzentas palestras por ano em todas
as regiões do País, mas nunca me esqueço daquele operário que
controlava um buraco na chapa de aço. Ao invés de idéias prontas, o
que mais as empresas precisam promover é o comprometimento e incentivar
a criatividade dos seus integrantes, e isso passa pela valorização do
talento de cada um.
O
conhecimento técnico, por melhor que seja, será incompleto se não
tiver a participação do pessoal que põe as mãos na massa.
Geralmente, aquele que executa o trabalho é quem mais sabe sobre ele,
e percebe melhor do que ninguém a melhor maneira de aprimorá-lo.
Em
uma fábrica de pastas de dentes, um problema operacional prejudicava a
qualidade das remessas do produto, algumas caixinhas saíam vazias da
linha de produção, e eram despachadas para os revendedores sem a
bisnaga de dentifrício. Então contrataram uma equipe de engenheiros
para solucionar o problema.
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A
equipe técnica, depois de estudar o caso detidamente, projetou um
dispositivo eletrônico que controlava a saída dos tubos em perfeita
sincronia com as embalagens. Um investimento alto, mas que poderia
beneficiar a imagem do produto. Quando discutiam, com o gerente de produção,
detalhes do sofisticado equipamento, notaram que um operário parecia
achar graça daquilo tudo.
Por
que você está rindo?, perguntou-lhe o gerente. Tudo
isso é só para tirar as caixinhas vazias? Como
assim?, intrigou-se um dos engenheiros. Não
é mais fácil ligar um ventilador aqui na saída da máquina? Se uma
caixinha passar vazia, vai ser derrubada dessa esteira antes de ser
empacotada...